Relato: Como a religião destruiu a minha família

*O conteúdo do texto abaixo é um relato de terceiro e não necessariamente retrata a minha opinião.

Preciso contar para vocês como a religião destruiu a minha família.

 “Esses dias encontrei minha mãe na farmácia e ela me ignorou, como uma estranha. Quando eu me tornei dissociada na igreja que frequentava eu sabia que minha mãe não aceitaria facilmente, mas eu nunca imaginei que ela me ignoraria. Já sofri muito e até pensei em tirar a minha vida nos momentos mais difíceis. Hoje estou bem, estou grávida e sei que minha escolha foi a correta, mas existe uma cicatriz imensa dentro de mim e ela é fruto de um corte profundo que foi causado por anos e anos em que eu estive em lugares que não gostaria e fiz coisas de maneiras que não foram minhas escolhas. Para ser “eu” tive que abrir mão de um nós que ainda faz muita falta, mas a minha vida teve que vir primeiro. Ela é a única que eu tenho ”

Relatos de dor, como o apresentado acima, são exemplos de como coisas acontecem em nichos específicos da sociedade, sem que nós nem mesmo façamos ideia.

A Lei 9.459, de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões. A liberdade religiosa deve ser respeitada, tendo como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião, com fulcro no artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948, sendo esta uma garantia constitucional, conforme dispõe o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Brasileira de 1988. (Fonte)

Entretanto, continuando o relato acima: “Assistindo ao programa do Pedro Bial sobre suicídio refleti muito sobre um tema que sou sempre incentivada a não me expor. Sempre defendi temas como LGBTs, lutas contra o racismo, direitos a liberdade e igualdade, mas me calei sobre o tema que pega diretamente a mim: Intolerância religiosa, fanatismo e suas consequências. Mas hoje, baseada em tudo o que tenho passado e na minha capacidade de fala, que venho resgatando aos poucos, quero e preciso falar.”

A FALTA DE OPÇÃO

“Durante anos fui Testemunha de Jeová. Por opção? Escolha? Não! Obrigação! Ou era isso ou era seguir meu caminho… por medo do abandono emocional e medo de um Deus assassino, cedi… adoeci, desenvolvi transtorno de ansiedade, quase pirei…”

Apesar da lei respaldar a liberdade de credo, característica de um país LAICO, quando você nasce em uma família religiosa ou é uma criança e faz parte de uma família que segue uma determinada linha religiosa, você, automaticamente, também é direcionada para o mesmo caminho que seus pais acreditam que é o melhor e mais correto para você.

Mas a criança, à medida que cresce, também desenvolve seus próprios traços de personalidade. Na escola, quando inserida junto aos outros pares da sociedade, ela vê e sente as diferenças de hábitos e costumes. Ela se compara, e sente, e sofre quando não se percebe incluída ou quando não pode participar das atividades que são usuais no grupo.

A INFÂNCIA CERCEADA PELO MEDO E PELA CULPA

Todas as crianças que são Testemunha de Jeová são orientadas a esperar pelo fim do mundo desde início. Pesa, sobre elas, a ideia de que o mundo pode acabar a qualquer momento e que, se cometerem atos que contrariem as escrituras, elas não serão salvas. Para uma criança, que ainda possui o pensamento concreto, a ideia de ser destruída por um “Jeová” punitivo, pode ser devastadora. Além disso, o sentimento de exclusão na escola, ao não poder participar de aniversários (e nem cantar parabéns para os amigos), não poder comemorar datas consideradas pagãs, como Páscoa e Natal, sempre com desejo de ser inserido e imediata culpa por desejar o proibido.

NA JUVENTUDE

Se as crianças possuem uma dependência direta dos pais, na adolescência, com o aumento gradativo da autonomia e do questionamento, fica ainda mais difícil permanecer em um grupo religioso onde a identificação não é pessoal e voluntária.

Os Testemunhas de Jeová, por exemplo, apenas aceitam namoro com pessoas da mesma religião. Não são admitidos contatos íntimos e até mesmo a autoestimulação é altamente condenada. Por condenação, entendam, não estamos falando de alguém passar um sermão. Estamos falando da expulsão da igreja.

A ARBITRARIEDADE DAS REGRAS

Mas, se por um lado, existe essa rigidez quanto a pureza, a fidelidade dos casais e ao pertencimento, o mesmo parece não acontecer com casos de violência doméstica, por exemplo. Relatos indicam que a orientação dos anciões, em tais casos, seria para, na negativa da parte agressora e na presença apenas de uma acusação, deixar o julgamento para Jeová. Logo, a comunidade religiosa estaria se omitindo de proteger a parte mais fragilizada de seus membros e, ao contrário disso, reforçando seu ciclo de violência. Recentemente também temos visto polêmicas internacionais também envolvendo abafamento de casos de abuso de crianças.

E QUANDO ALGUÉM DECIDE SAIR?

Uma das maiores agressões dessa religião aos seus membros, ex-membros e familiares, parece que vai além da polêmica da transfusão de sangue, mas está relacionada a escravização das pessoas utilizando-se de seus vínculos emocionais.

Todos sabemos que um dos maiores alicerces da vida de qualquer ser humano é a sua família. Logo, privá-lo de seu convívio, pode trazer prejuízos devastadores.

Quando uma pessoa opta por ser “dissociada” da igreja, seus familiares e todos os amigos com quem ela conviveu por toda a vida, são orientados e literalmente proibidos de manter qualquer contato com ela.

“Eu, assim como um menino gay que não é aceito, também não era por não ser mais uma testemunha de Jeová. Qdo resolvi seguir meu caminho, escolher outra crença, minha mãe me deu um intimato: ou volta pra Jeová ou vc não pode mais frequentar minha casa… ela fez isso comigo e com a minha irmã. Pra quem não sabe, testemunhas de Jeová são proibidas de conviver com membros familiares que são desassociados do grupo. Isso foi agora, no início de minha gestação… como estou, como meu filho ficou? Como minha irmã e seus filhos ficaram? Esses dias a encontrei na farmácia e ela me ignorou, como uma estranha.”

LAVAGEM CEREBRAL

Segundo o sociólogo e psicanalista Jackson César Buonocore, “o conceito de lavagem cerebral é definido como – um método – cujo o objetivo é mudar certas atitudes e crenças de pessoas ou grupos, através de técnicas agressivas de persuasão.”

No caso dos Testemunha de Jeová, os seus integrantes são desestimulados a frequentar faculdades, pois devem ler apenas a Bíblia e o material publicado pela Sociedade Torre de Vigia, como a revistas “Sentinela” e “Despertai”. Como se consideram “a organização cristã verdadeira”, não aceitam qualquer outra religião e nem o convívio com pessoas que não exerçam a mesma fé que eles. Essa base, que aparece claramente em sua literatura impressa, deixa claro que pessoas que deixam a igreja não devem nem mesmo ser cumprimentadas, porque falar com elas pode estimular aproximação e amizade. Logo, não se pode ler o que não é da igreja, não se pode criticar o que é da igreja e não se pode ter relações com quem não é da igreja mediante risco de expulsão. Seria isso lavagem cerebral? Deixo a conclusão para o leitor.

DANOS PSICOLÓGICOS

As pessoas que optam por serem dissociadas ou foram desassociados (expulsos da igreja por terem pecado e não pedirem misericórdia) sofrem com a ausência dos seus afetos. Não é incomum o sentimento de solidão, culpa e desamparo.

“Hoje faço parte de alguns grupos de ex testemunhas de Jeová, que sofrem ostracismo familiar por não serem da mesma crença, serem desassociados… e conheço muitos casos de suicídio, depressão, vários transtornos por serem abandonados por seus entes… já pensei em suicídio? Simmmm…”

Logo, relatos de sofrimento psíquico e adoecimento são muito frequentes.

Outro ponto de vista, além do desassociados é do das famílias onde um de seus membros tornou-se Testemunha de Jeová e foi afastado de seu convívio.

Há alguns anos acompanhei em um serviço público de saúde, como psicóloga, o caso de uma mãe que, após o casamento de sua filha de 18 anos com um membro da igreja, foi totalmente afastada de seu convívio. A filha era proibida pelo marido e seus familiares de receber suas visitas e telefonemas. A mãe desenvolveu um quadro de depressão e tinha, na época, pensamentos suicidas.

INFORMAÇÃO IMPORTANTE: Não se combate injustiça fazendo injustiças

Todos nós, ora ou outra, recebemos visitas de pessoas que são membros dessa igreja e hostilizá-las, mesmo frente as injustiças que vemos, nunca é uma opção. Lembrem-se que essas pessoas acreditam que estão fazendo o bem e que estão visitando as casas (eles são obrigados a fazer as visitas) com o objetivo nobre de salvar vidas. Como dito anteriormente, existe um envolvimento de todo um grupo social, laços de amizade e família que pode estar atrelado a essas pessoas por gerações. Entretanto, não destratá-los, não nos obriga a concordar com eles e muito menos a sermos coniventes quando presenciamos injustiças.

APENAS OS TETEMUNHAS DE JEOVÁ?

Infelizmente não são apenas as Testemunhas de Jeová que poderiam ser citados neste texto. Não é difícil encontrarmos seguidores de algumas religiões agindo com preconceito, desrespeito, arrogância e até mesmo pregando a violência contra aqueles que não comungam com a mesma crença. Sem contar alguns pastores que utilizam de técnicas de hipnose em seus cultos para enganar seus fiéis e tirar-lhes o que puder de dinheiro.

Não são raros nos consultórios, casos de pessoas com distúrbios emocionais traumas e problemas sexuais causados por uma educação religiosa ameaçadora, castradora e punitiva. Quanto mais a religião ameaça e prega intolerância, mais danosa para quem a segue e para as pessoas ao seu redor.

ASPECTOS POSITIVOS DA RELIGIÃO

Enfatizo que esse não é um texto contra a religião e sim contra práticas religiosas que causam sofrimento e exclusão.

De fato, seguir uma religião de maneira saudável certamente pode trazer benefícios.

Alain de Botton, é um filósofo e escritor suíço residente em Londres. É o autor do livro internacionalmente conhecido “Religião para Ateus”. E, embora seja ateu, em seu livro exaltou os benefícios que os homens têm a partir de sua vida religiosa. De maneira geral, esses benefícios estão relacionados ao apoio e união comunitária, ao sentimento de pertencimento. As religiões, segundo ele, também se justificariam por serem um grande auxílio na necessidade de um controle moral e de lidar com diferentes graus de dor, que surgem da nossa vulnerabilidade ao fracasso profissional, a relacionamentos problemáticos, à morte de entes queridos e a nossa decadência e morte.

A PROBLEMÁTICA

O problema começa quando a religião deixa de ser fonte de união e construção de valores para, utiliza-se violência psicológica, e passa a incentivar a exclusão de seus pares a partir da intolerância frente à diferença. Nós podemos compreender e respeitar um pensamento que foi escrito dentro de seu momento histórico, mas acreditar que ele será válido, sem variações, séculos depois, não pode trazer nada além do alienamento.

A MENSAGEM DA FILHA QUE FOI REJEITADA

“Deus é amor, ele está onde está o amor. Hoje, não tenho contato com meu irmão mais velho pelo mesmo motivo que com minha mãe, e dói ver como o fanatismo religioso acabou com minha família!!! Meu Deus é o sorriso do meu filho todos os dias, é minha família, é o privilégio de gerar uma vida!!! Cuidado com suas escolhas!! Muitas pessoas podem pagar por isso… e gostaria de deixar o meu muito obrigada aos meus companheiros e amigos que encontrei nessa mesma luta que eu: a luta de poder ser quem eu sou e ser amado por isso! Intolerância mata! Seja qual for!”

Nota da página: As falas apresentadas entre aspas e em itálico são de uma jovem desassociada e foram utilizadas para exemplicar os sentimentos das pessoas que passam por situações semelhantes.

E vocês, leitores? O que pensam sobre assunto? Já passaram por situações similares ou muito diferentes?

Por favor utilizem os comentários para falar de seus exemplos e posicionamentos sobre o tema.

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Fonte: Artigo original em: https://www.contioutra.com/preciso-contar-para-voces-como-religiao-destruiu-minha-familia/

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Sobre o Autor

Prof. Sergio Enrique Faria

Dr. Sergio Enrique Faria é diretor do Estúdio da Mente. Neurocientista, Membro da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento e do Grupo de Estudos de Hipnose da UNIFESP. Doutor em Ciências da Educação, Mestre em Comunicação, Psicanalista, Parapsicólogo, Hipnoterapeuta e Neuroeducador com especializações em Neurociência Clínica e Educacional, Neuropsicologia, Neuropsicopedagogia, Psicanálise Clínica, Didática e Metodologia do Estudo. Trainer e Master Practitioner com formações internacionais em Hipnose e em PNL – Programação Neurolinguística. Líder de Aprendizagem certificado pela Harvard University (EUA). Professor de Hipnose e PNL. Palestrante e Professor em cursos de MBA e Pós-graduação em grandes universidades. Autor e coautor de livros e mais de 150 artigos em jornais e revistas.

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