Há oito meses, o neurocientista Miguel Nicolelis está fora de casa. Professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, ele estava no Brasil de passagem quando a pandemia do novo coronavírus fechou os aeroportos. Desde então, está sozinho no apartamento que mantém em São Paulo. A quarentena, no entanto, não interrompeu seu ritmo acelerado de trabalho. Nem impediu que continuasse a falar para plateias numerosas. Semanas atrás, ministrou uma conferência online para 40 mil jovens chineses. De sua sala de estar, também coordena a comissão científica do Consórcio Nordeste para Combate ao Coronavírus, equipe de pesquisadores que orienta os estados da região na tomada de decisões frente à Covid-19.
Foi lá que ele “recebeu” Ecoa para uma entrevista via Zoom, programa escolhido pela assessoria do pesquisador (ele se nega a usar ferramentas Google). A conversa durou, ao todo, uma hora e trinta e dois minutos, mas precisou ser interrompida algumas vezes. Isso porque o aplicativo de videoconferências limita transmissões gratuitas em 40 minutos. E também porque Nicolelis precisava falar com a família, que permanece na Carolina do Norte.
Era o auge da apuração dos votos das eleições para a presidência americana. E o neurocientista estava aflito com o clima tenso causado pela polarização acirrada entre democratas e republicanos, o que, segundo ele, é resultado do controle de dados pelas gigantes da tecnologia: Facebook, Google, Amazon…
“Isso está levando à destruição da democracia, da liberdade individual, dos direitos humanos”, disse, citando a americana Shoshana Zuboff, professora emérita da Harvard Business School. “Está corroendo por dentro todo o arcabouço humanista que foi criado e todos os mecanismos de ação política, de defesa dos direitos humanos, de possibilidade de escolher quem queremos que nos governe”.
Na ocasião, o pesquisador falou também sobre o livro que acaba de lançar, “O verdadeiro criador de tudo” (Editora Planeta), em que trata sobre aquilo que diz serem criações do cérebro humano (dinheiro, religião, ideologia, entre outras). Falou ainda sobre os reflexos da pandemia na educação, na saúde mental, em nossa percepção sobre o tempo e fez previsões para o futuro da ciência no Brasil.
A pandemia obrigou alunos e professores a migrarem as aulas presenciais para o ambiente virtual. De que forma isso pode alterar, ou já alterou, nossas habilidades de aprendizagem? As condições “analógicas”, como o olho no olho ou as pequenas manifestações espontâneas, também contribuem para a maneira como aprendemos?
O impacto é muito grande. Nossa forma de aprender, desde os tempos imemoriais, quando descemos das árvores, é por meio do contato social, do contato humano. Dois anos atrás, fui convidado para falar na Universidade de Helsinki, e os finlandeses me disseram que estavam revertendo o uso de computadores em sala de aula, porque eles tinham descoberto que os efeitos eram mais deletérios do que positivos. Essa história de toda criança ter um computador foi quase um fetiche, um grande projeto americano que tinha muita enganação por trás também. Eu participei de um debate acalorado em Davos em 2007, quando ficou claro que era uma proposta comercial colorida com supostos benefícios educacionais, que nunca foram testados. A educação é um processo quase que socrático. Você interage para aprender, e o peso da palavra que é transmitida depende muito do seu vínculo humano, social, emocional, com seus professores, com os alunos em volta. Essa experiência social faz parte da grande força evolutiva que moldou nosso cérebro primata, que é adaptado para o aprendizado social, literalmente. Os circuitos neurais foram moldados para otimizar essa interação.
Então os efeitos da educação online são claros. Acabou de sair um estudo que está causando o maior auê, mostrando que, pela primeira vez, ocorre uma queda de coeficiente de inteligência de uma geração para outra. E eu fiquei muito satisfeito porque os autores usam a mesma tese que eu usei no meu novo livro: mostrando que essa imersão na lógica digital está alterando fisicamente e funcionalmente a forma do cérebro operar. Nós não somos máquinas digitais, não somos sistemas digitais. Temos um sistema nervoso que opera muito mais em analógico do que em digital, o que é muito diferente. As pessoas acham que podemos aproximar um processo analógico com sistemas digitais. Podemos, mas nunca chegaremos ao ideal.
O senhor está falando de inteligência artificial?
Pois não tem nada de inteligente na inteligência artificial, isso que eu gosto de dizer sempre. Boa parte do que se fala sobre inteligência artificial é um grande golpe de marketing para o mundo. E os neurocientistas sabem disso. No meio científico, todo mundo sabe que isso é balela. A inteligência é uma propriedade emergente de um sistema orgânico, que não foi construído, ele evoluiu em relação ao ambiente e em contato com outros membros da espécie. Mas, na questão educacional, o que realmente pega – e nós estamos vendo isso com a pandemia – é a falta do contato humano, a falta da presença de pares numa classe, a falta de um professor presente, a falta do contato social, literalmente. Porque a escola não é só a classe, não é só aula. É o recreio, é a conversa das crianças, é a troca de experiências individuais que passam a ser parte do coletivo. É muito mais do que só o conteúdo. A gente confunde educação com transmissão de conteúdo. Se educação fosse isso, a gente podia sentar na sala e só ouvir o dia inteiro e ir decorando.
Nas aulas online, as pessoas são menos espontâneas. Isso também interfere na aprendizagem?
Esse é o grande drama da lógica digital. Eu defendo no livro que ela começa a amputar, a podar, todos os atributos humanos que não são digitais, que não são “sim” ou “não”, que não são um e zero. Intuição, criatividade, inteligência, espontaneidade, empatia, nada disso é definido por sequências de um e zero. Você tem infinitos graus de diferentes tons entre um e zero. Isso que define o sistema analógico: é a continuidade, o infinito de valores que podem ser assumidos. Você não diz que um cara é empático ou não, intuitivo ou não. Você tem graus e isso você perde [no ambiente virtual]. Tem um movimento nos Estados Unidos querendo usar sistemas especialistas digitais em medicina nos prontos-socorros para fazer triagem de pacientes graves, para salvar dinheiro, só. E eu conheço esses sistemas há trinta anos, eu estudei esses sistemas no começo da minha carreira, quando estava aprendendo computação. Eles evoluíram no ponto de vista de programação, mas a lógica é a mesma.
E é impossível você usar um sistema desse para realmente definir quem entra no hospital e quem não entra. Você vai matar muita gente. Porque medicina, como qualquer arte, ela tem tons, tem muito da experiência de quem faz a triagem, do médico, de quem já viu muita coisa, muitas variedades de casos. O meu professor de medicina interna dizia isso: se você só conhece duas doenças, você só tem dois diagnósticos – para falar de um sistema binário. E existem milhares de patologias. Um sistema digital nunca vai conseguir improvisar ou ter a intuição de um ser humano para desenvolver a sua arte e aprender a reconhecer sinais mínimos que levam a dizer: esse cara tem que entrar no pronto-socorro, eu tenho que cuidar dele, tenho que olhar com mais cuidado. E é a mesma coisa do ponto de vista educacional. O cérebro é plástico, extremamente moldável às contingências do mundo aqui fora.
Se você puser uma criança desde cedo em frente ao computador, o cérebro dela começar a intuir que as recompensas do mundo moderno são maiores se você se comportar como aquela máquina que está na sua frente, o cérebro vai falar “ok”, como bom camaleão que ele é, “eu vou assumir a lógica digital e vou me comportar de acordo com ela”. E qual o resultado disso? Basta perguntar para a Catherine Tucker, que trabalha no media lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ela era uma grande defensora do uso de computação na educação e agora está mudando de opinião radicalmente, porque entrevistou dezenas, acho que milhares de jovens, adolescentes que vivem online e encontrou graves problemas sociais, emocionais, psiquiátricos. Eles têm falta de aptidão social, não conseguem se relacionar fisicamente. Nosso destino é virar um zumbi biológico digital.
Quer dizer: a máquina não consegue se comportar como o cérebro humano, mas o cérebro humano pode virar uma máquina?
A ironia de tudo isso é que os caras fazem parte da igreja, é o culto da inteligência artificial, como qualquer outra igreja. Tem bispos, tem cardeais, papas, tem seguidores, fanáticos. Se você fala mal de um desses caras, como o Elon Musk, que é um grande marqueteiro sem nenhuma substância por trás… Nossa, enxames de seguidores caem em você nas redes sociais para querer te matar. Mas, enfim, a ironia de tudo isso é esse mesmo: a inteligência artificial jamais vai reproduzir um cérebro humano, mas o cérebro humano é capaz de se transformar, de imitar, emular um sistema digital. No limite, é como a pandemia: as fragilidades dos modelos econômicos de desenvolvimento, de crescimento dos últimos 300 anos expuseram a humanidade à pandemia.
O senhor acredita que devemos impor limites às máquinas, então?
Plenamente. Acho que estamos a caminho do precipício. Eu fiz a minha própria metáfora: todos nós sorridentes, com um telefone na mão, a outra dando mão para o próximo vizinho, caminhando todos juntos fazendo alguma alusão a algum deus, algum mito, alguma abstração mental que rege a nossa vida, caminhando todos juntos em direção ao precipício com o celular na mão.
E qual é esse limite na sua opinião? Ele existe?
Veja, eu não sei se você viu um livro que saiu há uns dois anos, mas está explodindo agora, é da Shoshana Zuboff, professora emérita da Harvard Business School. Ela mostra como a nossa privacidade está sendo completamente destruída pelo modelo de negócios do Google e do Facebook. O Google não criou um telefone para competir com o mercado de telefonia digital. Eles nunca tiveram essa ambição. A ambição foi coletar informação: som, voz, texto, para estudar correlações de consumo. Por isso que hoje você compra um livro na Amazon e, no momento seguinte, você recebe cinquenta imagens de livros semelhantes, porque o seu padrão de comportamento está sendo analisado. A ideia é fazer você comprar mais coisas. E a Shoshana fala muito bem de como isso está levando à destruição da democracia, da liberdade individual, dos direitos humanos, está corroendo por dentro todo o arcabouço humanista que foi criado e todos os mecanismos de ação política, de defesa dos direitos humanos, do direito de escolher quem queremos que nos governe.
É só olhar para os Estados Unidos de hoje [a entrevista foi concedida durante a apuração dos votos na eleição presidencial americana]. Esse embate é a maior bifurcação da história dos Estados Unidos em cem anos. Estão decidindo se o país fica junto ou se quebra, se divide, porque é uma sociedade ainda mais polarizada do que a nossa.
Ou se pula para o precipício?
Isso. O precipício chegou para eles. Eu moro lá há 32 anos, e o país que eu conheci em 1988 não existe mais. Ele foi engolido pelo que a Shoshana fala no livro dela. E eu usei isso também no final do meu livro para dizer: olha, esse é um momento dramático do final da espécie. Não é o mar de rosas que alguns autores pintam, como o Yurval [Harari], com quem eu debati no Chile: o mundo é maravilhoso, nós criamos tecnologias, o homem vai virar deus? Isso tudo é absurdo! Vende muito livro, mas não tem o menor sentido! Um sociólogo em um meeting de que eu participei usou uma frase que adaptei com ele: “Quando foi que nós todos viramos escravos e nem percebemos?” No escândalo da Cambridge Analytica, que ele usou na apresentação dele, é clara a manipulação. E também no que ocorreu no Brexit, ou no que ocorreu nas eleições de 2016, nos Estados Unidos, nas eleições aqui em 2018. O WhatsApp está virando um instrumento político de guerra, literalmente. E tudo isso é a antítese do que esses autores, o Yurval, o [Steven] Pinker pintam sobre o mundo cor-de-rosa, o mundo maravilhoso, menos guerras, mais dinheiro…
Tudo bem, vamos usar os verdadeiros índices humanísticos, não os índices econômicos. Vamos falar da coisa que realmente conta: qual sociedade do mundo atingiu o grau de controle global que nós hoje temos, do ponto de vista digital? Nenhuma. Alexandre, o Grande, conquistou meio mundo e não conseguia saber o que o cara na Macedônia ia conversar com os filhos dele. Hoje os caras conseguem saber isso em vários lugares do mundo. Então é uma questão de vender a pílula. Tudo isso leva ao ponto da sua pergunta original: o que é que nós estamos ensinando? Literalmente o que a educação virou?
O que nós queremos extrair do processo educacional, o que nós precisamos doar para os nossos filhos e os nossos netos do ponto de vista de humanístico educacional? Nós queremos transformá-los só em consumidores? Ávidos consumidores no limite da sobrevivência? Sem seguro saúde, sem direito de escolher quem eles querem que governe o país deles, sem privacidade? ou nós queremos formar cabeças pensantes?
E o que o senhor faz para escapar desse controle todo na sua vida particular?
O meu filho sempre me pergunta isso, meus filhos que me convenceram a entrar no Twitter e no Instagram. Eu estou no Twitter há muito tempo, mas o Instagram? [ele tem 11,3 mil seguidores] Eu falo: eu penso! Eu leio, e não acredito nas coisas que me são entregues de bandeja. Não frequento certos ambientes digitais, parei de usar qualquer coisa relacionada a Google do ponto de vista de Drive, Cloud? os meus pensamentos não estão em nenhuma Cloud. Eu escrevo à mão.
Tudo à mão?
Tudo o que eu começo a fazer começa na mão, com caneta tinteiro. Mas por quê? Porque pratica essa interação corpo-mente. A caligrafia, os chineses sabem disso há 6 mil anos, é um exercício humanístico extremamente potente, de manifestação humana, artística, de equilíbrio do que você pensa e como você move o seu corpo em relação ao pensamento. Quando comecei a ir para a China – eu não fui para a China durante 40 anos, de repente comecei a ser convidado para falar naquele país várias vezes por ano – descobri lá uma coisa que eu nunca imaginei que fosse descobrir: as centenas de milhares de variações de papel que tem lá. E os pincéis de caligrafia… Eu comprei um monte.
Essa interação tátil também interfere na maneira como pensamos, não? Ou melhor: na maneira como expressamos o que estamos pensando?
Claro. Em tudo. Não existia calculadora quando fui para grupo escolar aqui em São Paulo. Tinha ábaco, mas ninguém queria usar ábaco. Eu adorava porque era um desafio. Mas não podia. Então você ia lá, você escrevia os números que vieram da Índia, que foram pegos pelos muçulmanos no século 8 e transformados em álgebra. E a gente escrevia isso da mesma maneira que os caras escreviam há anos. Tem uma lógica no método de aprender isso. Quando você escreve, você vê, você abstrai. A matemática é uma grande abstração da mente humana, talvez uma das maiores. Eu não sou um bom matemático de forma alguma, não sou nada, sou amador, mas eu tenho uma admiração profunda pela simbologia, a criação e expressão dessa simbologia de uma maneira tátil e visual, que gera grandes interpretações do universo. As pessoas esquecem disso, mas não tem geometria aqui fora. O Einstein gerou o modelo geométrico na cabeça dele, projetou para o mundo e funcionou. Talvez não seja para o resto de nossos tempos, mas funcionou. E ele primeiro colocou isso onde? Ele não pôs no universo, ele escreveu no papel. Olhou e viu um mundo onde o tempo e o espaço se fundem. E criou todo uma lógica que, cem anos depois, ninguém consegue dizer que não funciona.
Tem limites, mas os limites são impressionantes para um cara sozinho, num escritório de patentes em Berna, olhando para o relógio da cidade e falando: “Ok, o tempo não existe da maneira como a gente acha que ele existe”. Tudo isso vem desse exercício visuo-tátil, dessa abstração sendo criada e projetada daqui pra fora. Para o meu novo livro, eu estudei um pouco sobre a descrição dos grandes pintores no momento em que eles encontraram o meio de pintura que usariam para o resto da vida. É o Picasso descrevendo a experiência dele de pegar na tinta, não pintar, mas sentir tatilmente a consistência da tinta óleo, do pastel óleo, que depois ele criou, o “sennelier”, que a gente usa até hoje. E, à medida em que você começa a pintar – e eu aprendi depois de adulto e não parei mais -, você entende a lógica disso. Porque pintar não é só a arte de criar. É a arte de sentir a tinta, sentir a experiência tátil. E isso você não faz. Se você faz isso num tablet, como hoje a maioria das crianças faz, é muito diferente de você fazer analogicamente, metendo seus dedos na tinta. A pessoa com quem eu interagi no começo da minha aventura de pintor dizia o seguinte: “Esquece pincel, esquece tudo. A gente vai espalhar essa tinta aqui na paleta, você vai meter seus dedos em tudo, vai borrar a tela. E você vai sentir não a cor visualmente, você vai sentir textura do que é o vermelho versus o azul cobalto”. Eu não conheço as cores pelos nomes, eu conheço as cores pelas texturas.
Em seu livro, o senhor fala sobre a relação entre o espaço, o tempo, o tempo cronológico, e como isso orquestrou a nossa experiência. Durante a quarentena, muitas pessoas relataram alterações da percepção de tempo. Teve gente que achou que o tempo estava passando muito rápido, teve gente que falou o contrário. Como podemos explicar essas sensações?
Na minha visão, o tempo é uma criação da mente. Não existe. As estrelas não celebram aniversário e os meteoros não sabem o dia em que eles vão cair na Terra. Essa mensuração do tempo é uma propriedade da abstração humana. Os babilônios começaram com isso e complicaram a nossa vida, porque, a partir do século 14, o tempo passou a ser ditado pelos mosteiros. Foram os primeiros sinos da Idade Média, as horas cardeais do catolicismo, que começaram a reger nossa vida. Então tocava o sino em um horário para almoçar, em outro para rezar, para dormir… Aí, algumas décadas depois, apareceram os relógios dos mosteiros, que são criações humanas.
O tempo começou a ser partido, quando, na realidade, desde o início dos tempos, também para a nossa espécie, o tempo era contínuo. A única noção de tempo que o homem do paleolítico superior tinha era a mudança do dia pra noite e das estações do ano. E, aos poucos, à medida em que nós nos assentamos na terra, nós começamos a prestar mais atenção nas estações do ano, porque era fundamental para produzir comida. Mas o tempo como nós conhecemos é uma produção medieval, é uma criação humana medieval. Até a base de 60 – 60 minutos, 60 segundos -, tudo veio da Babilônia. Não é nada mágico, não é algo divino. E, de repente, o tempo foi partido em unidades digitais. Esse é um dos exemplos que eu uso para mostrar como os sistemas digitais moldam o nosso cérebro. Todos nós começamos a viver em função dos nossos relógios. E, para ver como essa invenção é poderosa, você carrega no seu telefone uma versão digital de uma tecnologia do século 14. Ela sobreviveu 600 anos e nós ainda a temos aqui?
E o que acontece com a pandemia? Todo mundo fica em casa e o tempo volta a ser analógico. O primeiro choque foi não ter arregimentação, porque sábado, domingo, segunda e terça eram todos dias iguais. Exatamente como no começo dos tempos. O cérebro humano começa a se adaptar a essa conversão digito-analógica. Estamos há 600 anos fazendo uma conversão analógico-digital e, subitamente, passamos a fazer o caminho inverso. E, aí, as pessoas começam a ter reações: “Opa, o tempo passa de uma maneira completamente diferente agora”. O ciclo de sono começou a ser alterado. Eu, por exemplo, no comitê científico, trabalhei direto. Não tinha dia, feriado, isso não existia. A mudança de como a gente percebe o tempo é um dos aspectos mais impactantes da pandemia. Porque o mundo regimentado que todos nós vivíamos: acordar, pegar o carro, ir para o trabalho, chegar, para aqueles que precisam, bater o ponto, levar a criança para a escola? Isso tudo acabou. Hoje a criançada está toda em volta das pessoas, em casa. Então todos os aspectos da vida moderna que regulamentavam o funcionamento do nosso cérebro e da nossa mente, de repente foram removidos. E é, aí, que o pessoal espana, porque tem gente que só consegue viver assim, com o regimento. O sistema rígido de controle de cada momento do seu tempo. Para mim, é o oposto. Eu sempre vivi minha vida fora de sistemas regimentais porque eu não consigo viver neles. Mas, para quem não está acostumado, é um choque. Porque você remove todas as conexões externas que regem a sua vida. E a sua vida está flutuando no tempo.
É isso o que eu te falo: o cérebro é um camaleão. Ele se adapta. O cérebro não evoluiu para explicar para nós o que é a realidade. O cérebro evoluiu para fazer a gente sobreviver nessa realidade. São duas coisas bem diferentes. Existem mecanismos de defesa, de interpretação da realidade externa, que existem só para a gente sobreviver e não necessariamente traduzem o que está aqui fora.
Tem outra questão sobre a experiência do espaço-tempo: com a internet, podemos estar em vários espaços ao mesmo tempo. E cada um desses espaços tem seu próprio tempo. Isso também altera a nossa percepção, certo?
Tem uma coisa muito curiosa. Eu dei uma palestra outro dia para 40 mil pessoas na China. É como você estar falando com um estádio de futebol inteiro, ao vivo. E eu não vi ninguém. Eu estava aqui na minha sala de estar, falando sobre interfaces cérebro-máquina para 40 mil jovens. Se eu tivesse dentro de um estádio de futebol dando essa aula, eu teria um? Quando você adquire prática em dar palestras em diferentes auditórios, diferentes locais – e eu já dei aula em estádio de baseball na Coreia, eu falei em um estádio – você tem uma interação com a plateia. É como minha mãe sempre me falava: “Quando você sobe no palco, vira um bicho”, porque é outra coisa. Mas, se você está dando uma aula como essas que eu dei recentemente, você não tem o feedback. E as pessoas estavam nas casas delas com o celular, iPads, em diferentes situações para uma audiência que lotaria um estádio do Palmeiras se todo mundo estivesse junto. Na demonstração da Copa [quando o voluntário Juliano Pinto, que é paraplégico, deu um chute em uma bola graças ao exoesqueleto criado por Nicolelis] tinha 65 mil pessoas no estádio quando a gente deu o chute. E, aí, quando eu fui para a China, eu descobri que a audiência daquele instante foi de 1,2 bilhões de pessoas assistindo ao chute de 10, 15 segundos. Mas foi a demonstração científica mais vista da história até hoje.
Para você ter uma ideia, o Santos Dumont voou em 19 de outubro de 1901 para um milhão de parisienses. O Neil Armstrong, quando pousou na Lua, curiosamente no dia do nascimento de Santo Dumont, 20 de julho de 1969, foram 400 milhões de pessoas que viram o pouso. O nosso humilde chute em Itaquera: 1,2 bilhões de pessoas. E, no Brasil, ninguém dá a menor bola para isso, mas os chineses sim. Quando eu fui a Pequim, eles me deram uma placa comemorando a audiência, eu falei para a China na televisão e dei uma aula do estúdio da TV estatal chinesa no dia que celebrava o aniversário do chute. E, para minha surpresa, eu não estava no meu país.
Eu falo isso no livro, falo dessa noção de espaço-tempo como sendo embutidas, nós temos uma noção primordial do espaço-tempo, um ritmo circadiano, um troço que o ambiente embutiu no cérebro, é um ritmo um pouco mais longo do que um dia, 25 horas e pouco. Mas, à medida em que a sociedade moderna foi sendo imposta à nossa espécie, apesar de que é uma criação nossa, mas foi imposta a bilhões de pessoas, ela foi cronometrando, ela foi forçando o cérebro a se adequar a esse novo ritmo temporal e a esse novo ritmo espacial. De repente, bilhões de pessoas estão confinadas nas suas casas e o tempo passa a ser analógico de novo. Isso teve um impacto profundo. Eu não sei ainda, os estudos devem estar sendo feitos nesse momento, mas tenho certeza de que os distúrbios de sono, de emoção, o grau de depressão? mudou tudo, mudou todo o ritmo biológico.
A sua produção continuou igual?
Eu acho que explodiu, porque eu tive que coordenar um comitê científico depois de 38 anos. Eu comecei minha carreira fazendo epidemiologia, por incrível que pareça. A sensação que eu tenho é que deixei muito moleque sem fôlego nesses meses porque eu liguei o modo trator e fui. Mas eu me senti muito bem, não tive nenhum problema, mas senti essa sensação de fusão do tempo. Teve momentos em que eu literalmente escrevia aqui nas minhas notas e nos meus caderninhos a descrição do que eu estava sentindo do que era o tempo.
O senhor poderia mostrar uma dessas notas?
Veja, eu tenho uma coleção de caderninhos, só aqui tem dois gigantescos. Tem desde lista da feira até equação de fluxo populacional para medir a taxa de transmissão do vírus. Mas eu senti uma conversão do tempo para analógico. E eu comecei a imaginar o que deve ter sido viver 40 mil anos atrás sem nada desses gadgets, sem nenhuma definição de segunda, terça, quarta e simplesmente acordar 5h da manhã e dormir às 6h da tarde. Acordar com o primeiro sol e dormir com a noite. É uma mudança de paradigma muito radical.
E não é à toa que, se você for ler a história da evolução dos sistemas econômicos, políticos a mitologia, a maneira como a nossa espécie encarou o mundo? Nas cavernas do paleolítico superior na Europa, em Lascaux, que é como a Capela Sistina da antiguidade? imagine uma esfera de pedra gigantesca, como uma catedral que os caras, lá os nossos queridos antepassados utilizaram as proeminências da pedra para criar imagens tridimensionais. Os caras olharam para a configuração da pedra e falaram, bom, isso aqui parece um touro. Eles pintaram a pedra para criar um efeito dimensional e tudo o que eles representam ali, naquela catedral pré-histórica, é o mundo natural. Não tem imagem deles, não tem autorretrato, não tem tentativa de reproduzir os seus membros da sua tribo, nada. Eu nunca entrei, antes de morrer eu preciso ir até lá, mas a sensação que as pessoas descrevem é de estarem envolvidas por animais tridimensionais, só que eles estão em pedra. Então, veja a noção de espaço desses caras.
O Picasso tem uma frase sensacional sobre Lascaux. Ele disse que ninguém de nós conseguiria pintar como aqueles caras. Porque era uma mistura de escultura, pintura e arquitetura. É incrível. E nós estamos falando de gente que andou pela Europa há 20, 30 mil anos. Só que o que eu acho sensacional é que não tem nenhuma representação humana. É só o mundo que nos cerca que está lá. O que mostra que nós mudamos bastante nesses 40 mil anos. Se você largasse quatro moleques de São Paulo ou de Nova York em uma caverna subterrânea em 2020, o que será que eles iam grafitar lá?
Iam fazer selfies, não iam grafitar.
Exatamente. Esse era um mundo analógico. Então o tempo e o espaço eram completamente diferentes, e a visão desses indivíduos muito provavelmente era muito mais coletiva do que individualista, pelo menos é a interpretação que você tem da etnografia, várias das interpretações que se tem das cavernas, há um senso de comunidade.
Dá para dizer que esse é o início do registro da memória?
Isso. Veja: a linguagem oral permitiu que a nossa memória individual fosse coletivizada. Mas, quando todos os indivíduos que participavam da conversa na fogueira à noite morriam, essa memória coletiva só passava para outros indivíduos pela tradução oral. Essa foi a primeira vez na história que as nossas impressões, emoções e a nossa visão cosmológica do mundo foi impressa em um meio não biológico. E ele está lá até hoje. Esses caras escreveram a Ilíada há 40 mil anos, e ela está lá em pedra. E o que é mais sensacional é que os caras descobriram uma forma de pintar que durou 30 mil anos. No meu livro, eu descrevo uma cena, claro, tirada da minha imaginação, de como eles migravam na neve para penetrar no subterrâneo e fazer seu ritual de encontro com a transição do mundo real para o mundo imaginário.
Mas já havia uma divisão clara entre o mundo mágico e o mundo concreto naquela época?
Tudo leva a crer que sim, que existia inclusive uma classe, não sei o nome mais correto, de sacerdotes, xamãs ou arautos da visão. Isso é impressionante porque existe desde o começo dos tempos. A gente valoriza muito aqui no ocidente evidentemente os mitos gregos, a Odisséia, a Ilíada, a origem da descrição da condição humana. A cada dois anos, eu leio a Odisseia e a Ilíada só para ver como eu me sinto. E a minha impressão não mudou desde os meus vinte anos. Todavia a Ilíada é inspirada no mito de Gilgamesh da Mesopotâmia, que é muito mais antigo. E Gilgamesh já tem o dilúvio, já tem a tal da arca, já tem a maçã, já tem a serpente, e esse tópico se repete.
É o que dizem: é sempre a mesma história que é contada, certo?
Metade da vida da humanidade foi plagiar. Você pega a história das religiões modernas, monoteístas, e eles adotaram todos os mitos pagãos, deram uma revestida. Eu fui descobrindo isso ao longo dos anos e é impressionante. O próprio Gilgamesh remete você a um mundo anterior, do qual a gente não tem um registro escrito porque é antes da escrita, mas você tem o registro pictórico nessas cavernas. E é impressionante porque você muda de perspectiva quando começa a examinar a etnografia dessas gravuras com as interpretações possíveis. Era um mundo muito mais analógico e tangível, existiam abstrações mentais, é óbvio, mas elas não eram tão dominantes como as que hoje existem. Nós criamos um mundo de faz de conta, nós criamos um mundo nos dez mil anos onde essas abstrações mentais passaram a ser mais importantes do que a vida humana. Sistemas políticos, ideologias, religiões, dinheiro, são todas abstrações humanas.
No capítulo doze, eu tenho um quadro que talvez seja a figura mais legal do livro que é a história do dinheiro. Como as diferentes civilizações usavam algo para carregar valor e transferir para trocar bens. É uma coisa absurda. O império romano usava sal. Os astecas usavam grãos de cacau quando precisavam de troco. Quando precisavam fazer compra grande, eram roupas de algodão. Mas, a cada passo, o dinheiro começa a ser menos tangível. O exército romano precisa receber a moeda de ouro, de prata dos caras. De repente, mil anos depois, a gente tem zeros e uns na conta bancária e acha que é a mesma coisa, porque a gente assume essa abstração mental de que o que está lá é real. E evidentemente não é. É um contrato mental humano. E esse barato, que é uma criação nossa, tem um valor que rege o mundo hoje em dia. Ele manda no mundo, mas é uma abstração mental, não caiu do céu, não tem nada de divino.
Outro dia, me perguntaram o que eu acho das fake news? As fake news são a coisa mais antiga da humanidade. Um exemplo disso é um faraó em crise que vira para o sacerdote e fala: “Ô, os caras não querem construir a pirâmide, o que eu faço?”. O sacerdote: “Ah, muito simples, é o seguinte: eu vou ser sacerdote para a vida inteira?” Soa familiar, não soa? E o faraó: “Não, você, seu filho, seu neto, seu bisneto, todo mundo vai ser sacerdote do faraó.” E ele: “Tá bom, então é o seguinte: você vai lá, se veste de ouro, ao meio dia, você sai do templo de Tebas, na praça central, todo mundo vai estar lá, o sol vai bater em você, eu vou dizer que você não é mais o faraó, você é a encarnação de Rá, o deus Sol, pronto.” E funcionou! O cara fez exatamente isso e olha as pirâmides que têm lá. Os caras não estavam construindo as pirâmides, eles estavam construindo a pirâmide para um deus!
Então a gente como humano já nasce com a tendência a acreditar nessas abstrações?
Isso. Tem duas fragilidades fundamentais do cérebro humano: a grande vantagem é que nós somos capazes de criar essas abstrações. Somos uma máquina de criar universos. Por isso que nós temos essas bolhas da internet, onde os caras vivem em comunidades, onde a Terra é plana, não tem lei da gravidade, vacina não é boa? Qual é o nosso problema? Nós somos geradores de abstrações mentais contínuas: religiões, sistemas econômicos, sistemas políticos, ideologias, deuses, ciência, matemática, enfim. Só que nós temos uma fragilidade neurobiológica que permite que, ao comunicar essas abstrações, que eu chamo de vírus informacionais, os cérebros de milhões de pessoas se sincronizam quase que automaticamente. É o que a gente chama de crença, que nada mais é do que uma fragilidade biológica que faz com que um vírus informacional sincronize milhões de pessoas a fazerem parte de um universo abstrato.
E, aí, vem o nosso querido Marshall McLuhan. Quando ele diz que, no momento que o meio de comunicação, que é a mensagem – e ele está absolutamente certo – atingir a velocidade utilizada pelo cérebro para processar a informação, nós estamos fritos. Porque vamos criar a aldeia global. Ele achava que a aldeia global seria extremamente positiva. Infelizmente aí ele estava errado. A aldeia global passou a ser o que é. Por que você acha que o Trump usa o Twitter? Porque ele tem mais seguidores do que todas as redes de televisão americana juntas. Então, quando ele fala qualquer absurdo, o universo que ele criou nesse Twitter instantaneamente sincroniza. E não há jeito de que a NBC, o New York Times, Washington Post vá lá e fale que é mentira, que é fake news. Não adianta, o universo já cristalizou. E isso é um fenômeno neurobiológico. Não é um fenômeno de comunicação.
A comunicação é uma manifestação secundária da habilidade e da fragilidade do sistema nervoso humano. Qual é a única maneira de você impedir a cristalização desses universos? É você bloquear a transmissão do vírus informacional. É como você ter uma vacina para um vírus real. Porque, no momento que ele é solto, você pode esquecer. Você não vai desmentir nunca.
Na sua opinião, qual o futuro da ciência e da pesquisa no Brasil?
Eu fiz parte de uma diáspora, existiram várias. A maior eu acredito que aconteceu na década de 1960, depois do golpe de 1964. Já eu fiz parte da diáspora do Plano Cruzado, no final dos anos 1980. Eu era professor da USP e tinha que pegar meu salário e fazer supermercado do mês inteiro porque o dinheiro não chegaria no final do mês com a inflação galopante. A gente comprava tudo em grandes quantidades. E o que eu queria fazer era impossível no Brasil. Aí meu professor me disse: “Achei um lugar no Brasil pra você fazer sua pesquisa de pós-doutorado”. E eu falei: “Onde? Estou procurando há meses”. Ele falou: “Chama-se aeroporto. Você vai para o aeroporto, pega um avião, acha um americano maluco que tope o que você quer fazer e vai para lá”. Eu achei, dei sorte. Achei um cara maravilhoso que virou amigo pra vida toda. Nós dois queríamos fazer algo que ninguém na neurociência queria fazer. E, no final das contas, nós fizemos e escrevemos um capítulo que eu considero muito emocionante na história da neurociência. Todo mundo registrava um neurônio só e, de repente, estávamos eu o John [Chapin] no meio da madrugada registrando 40 simultaneamente. Aí um dia ele vira para mim e diz assim: “Tem uma vantagem de, às três da manhã, a gente estar aqui juntos registrando 40 neurônios em um cérebro de rato”. Eu perguntei: “Qual, John?” Ele: “Bom, nós podemos dividir o mesmo advogado para o mesmo divórcio, ele vai fazer dois pelo preço de um, porque ninguém vai acreditar que tem dois caras passando a noite registrando neurônio”.
Quando nós publicamos, foi um artigo comentado como uma revolução. Eu tinha 29 anos e ele, 39. Dois moleques causando um salseiro medonho. E isso não é possível no Brasil. Não é possível porque, nos últimos seis anos, desde o golpe de 2016, nós tivemos uma perda de 50% do orçamento científico. Ciência não é só dinheiro, eu falo isso o tempo inteiro, eu odeio esse papo de só falar de dinheiro o tempo inteiro, mas tem que ter dinheiro para fazer ciência. E o investimento no pico em 2013 foi 1,12% do PIB, sendo que os EUA investem, desde a segunda guerra, 5% todo ano. E esse ano a China passou, no PIB mundial, os Estados Unidos. É a primeira nação a passá-los desde o começo do século 20, com 130 bilhões de dólares anuais. Então é quase impossível competir.
O talento humano nós temos. E essa pandemia mostrou claramente. Eu trabalhei durante meses com jovens das universidades federais do Nordeste, que foram contratados pelos planos de capacitação das universidades, que foram do Ciências Sem Fronteiras e que voltaram e estão aqui lutando diariamente. Essa molecada trabalhou comigo de madrugada, no sábado, no domingo. Nós temos reunião no Zoom às três da manhã. Nós fizemos palestra pesada para decidir que cidade a gente ia recomendar que fosse fechada. E essa molecada é espetacular. Eu fiquei emocionado. Da minha sala de estar, eu estava conversando com vários laboratórios de jovens no Brasil. Foi talvez o trabalho mais emocionante que eu fiz. Talvez só a Copa tenha sido mais emocionante por suas circunstâncias, mas não dá para fazer ciência sem um planejamento, sem investimento contínuo. O Brasil teria que investir 5% a partir de ontem, durante 50 anos, para se equiparar ao mundo neste momento. E mesmo assim nós chegamos a ser, dois anos atrás, eu não sei atualmente porque eu não vi os números, mas o décimo país a mais publicar no mundo, o que não é pouca porcaria. Para você ter uma ideia, na área de medicina tropical, o Brasil é líder mundial, com 25% do mercado de publicações do mundo. Se tem um país que entende de moléstias tropicais no planeta, somos nós, a Fiocruz, o Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, enfim.
Eu fui criar um instituto no meio da periferia de Natal [o Instituto Santos Dumont] e por dez anos tive um programa de educação científica para crianças da escola pública, 1.500 crianças por ano. Teve criança que eu levei para o laboratório para registrar neurônio aos 14 anos porque o talento era tão brutal? E essa molecada foi autora de paper internacional porque o moleque entrou no laboratório e não saiu mais. Esses caras foram fazer doutorado, podiam ter pulado a universidade, ir direto para o doutorado. Isso na periferia de Natal, interior bravo da Bahia. Nós reproduzimos o nosso modelo do sistema educacional em Natal, em Macaíba, que é na periferia de Natal, e em Serrinha, que é na periferia de Feira de Santana. E agora tem uma escola nossa em Caxias, no Maranhão. Mas, em 2017, nosso querido ministro da educação, o Mendonça Filho, dez dias antes do Natal, nos comunicou que o MEC não tinha mais prioridade em fazer sistemas de educação científica para crianças da escola pública e cortou nosso projeto no meio, depois de 10 anos de prêmios internacionais. É a história do Brasil, né?
Eu sempre digo isso: o Brasil está cheio de Santos Dumont, ele só não tem aeroporto para os caras decolarem. Eu vejo tudo isso com muito receio. Em 2018, eu fiz um discurso num evento aqui no Teatro da Universidade Católica (TUCA) falando, olha, dependendo do que acontecer, a ciência brasileira vai acabar. E a perspectiva não vai muito longe do que eu falei naquele dia. Apesar do esforço heroico dos cientistas brasileiros e de todas as áreas das universidades federais que produzem 95% da nossa ciência. Tem outros problemas que também precisam ser resolvidos. Um deles é a falta de comunicação com a sociedade brasileira. O cientista não é treinado para explicar o que ele faz. Quem paga a conta é a sociedade. Se você não explicar o que você faz, como é que você espera apoio?
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